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Depoimento Rafael Costa

“No dia 20 de fevereiro, participei de uma visita técnica, como estagiário de pós-graduação em Antropologia do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos (CAODH), à comunidade Vila Nova, localizada no bairro Jaqueline, região Norte de Belo Horizonte/MG. A comunidade é hoje alvo de um processo de reintegração de posse instaurado pela justiça estadual, por haver ocupado de forma irregular, no início da década de 90, uma propriedade privada.

Há mais de 25 anos residindo no local, após haver consolidado laços sociais, atividades econômicas, alguns moradores mais velhos já se encontrarem aposentados e com seus ‘filhos criados’, os residentes na Vila Nova correm o risco de serem despejados.

Contudo, seguindo os preceitos da Política Habitacional do município de Belo Horizonte (Resolução nº II do Conselho Municipal de Habitação), há a possibilidade de regularização fundiária do terreno, mediante a compra da gleba ocupada e urbanização da mesma, como meio de garantir a demanda da comunidade de permanecer no local, garantindo assim seu direito à moradia.

Durante a visita, tive a oportunidade de conversar com um dos moradores mais antigos da ocupação, o Sr. Osvaldo, de 69 anos. Nessa conversa, pude identificar (como todos aqueles que conhecem minimamente o problema do déficit habitacional dos grandes centros urbanos do Brasil) que a opção por ocupar uma área de forma irregular não foi uma escolha deliberada, ela se fez por necessidade. Entre as causas, a dificuldade por ele enfrentada para manter o pagamento de aluguel em dia, juntamente com condições mínimas de vida.

O Sr. Osvaldo, originário do município de Várzea da Palma, região Norte de Minas, migrou para Belo Horizonte em meados da década de 80, e, como tantos outros migrantes da região semiárida do estado, buscava mais oportunidades de trabalho e renda na capital.

Em Belo Horizonte, encontrou trabalho como motorista em uma empresa de construção civil. Segundo seu relato, naquela época, a maior parte de sua renda mensal era destinada para o pagamento de aluguel. Do salário de R$ 210,00, R$ 165,00 eram gastos com locação de imóvel, o que representava mais de 75% de sua renda – um “ônus excessivo” que mais de 30% da população do Brasil enfrenta, segundo o IBGE.

Vivenciando a insustentabilidade daquela condição, o Sr. Osvaldo, juntamente com outras famílias de migrantes de Várzea da Palma, decidiu ocupar em 1991 o lote onde reside atualmente – que na época era um barranco, sem cerca e com muito mato.

Após a ocupação, assim como outros que o acompanharam, o Sr. Osvaldo passou dois meses no local residindo embaixo de uma lona preta, enfrentando toda a precariedade dessa forma de residência – baixa proteção contra chuvas, frio, falta de eletricidade e saneamento básico.

Mesmo assim, nunca deixou de comparecer ao trabalho. Naquele tempo, o patrão dele, solidarizado com a condição de moradia do Sr. Osvaldo e preocupado com seu estado de saúde, mobilizou um grupo de funcionários da empresa para erguer um cômodo de alvenaria no lote ocupado. E assim foi edificada a primeira moradia da comunidade da Vila Nova.

Outras famílias e pessoas nas mesmas condições do Sr. Osvaldo foram se juntando a ele. Fruto do trabalho e do esforço coletivo, enfrentando as dificuldades econômicas e as adversidades do terreno, a comunidade Vila Nova se consolidou. Atualmente, mais de 200 famílias residem no local.

Essa forma coletiva e solidária de organização social é o que mantém hoje a comunidade em pé. Durante a visita, os moradores registraram o seu empenho no preparo de festas comunitárias, ‘foram mais de nove fogueiras de São João’, entre outras articulações que viabilizaram a chegada dos serviços de transporte coletivo, abastecimento de água e de energia.

Fico triste porque essas pessoas só passam a existir para o Estado quando se tornam um ‘procedimento administrativo’. Em uma das perguntas feitas a uma liderança local, perguntei: ‘O que garante hoje a ocupação?’, na expectativa de identificar a importância dos movimentos sociais, advocacia populares e, inclusive, do Ministério Público no ‘assessoramento técnico’ dessas populações, como modo de garantir seu direito à moradia e permanência no local. Na resposta da liderança, ‘somos nós mesmos que sempre mantivemos a ocupação’, indicando que todo o apoio externo passou a existir apenas após a intimação de despejo pela justiça estadual.

Ainda assim, na escassez de reconhecimento e de apoio para a sua luta, fomos todos muito bem recebidos pela comunidade. Enfim, é preciso fortalecer as demandas por moradia nas cidades, evidenciando as entrelinhas das formas em que elas se estruturam e seu caráter de ‘problema ou calamidade social’, na expectativa de superar a falta de credibilidade que esses movimentos enfrentam frente a supremacia redutora (conceitual e jurídica) do regime da ‘propriedade privada’”.

Rafael Costa é estagiário de pós-graduação em Antropologia do CAODH

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O Programa Diálogos Comunitários tem o objetivo de apoiar a atuação resolutiva do MPMG, especialmente nas ações de promoção e defesa do direito à cidade e moradia, buscando viabilizar e incentivar a participação popular na resolução consensual e democrática de conflitos coletivos, evitando-se a judicialização.

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